Pelo seu querido binóculo, Ezequiel observava a vida dos outros passando. A dele já havia passado. Observar a rotina das pessoas fazia dele mais humano e menos besta. Aquele hábito mantinha-o sóbrio, quase no limite de atravessar a linha da loucura, mas ainda sóbrio. Vez ou outra, desejava enlouquecer e viver no mundo que ele havia criado. Vez ou outra, ele sentia vergonha, angústia, desespero, medo, frio, fome, repulsa e sono. Na maioria das vezes, ele só observava a vergonha, angústia, desespero, medo, frio, fome, repulsa e sono das pessoas.
Nesses sabe-se-lá-quantos-anos de rua, notou que o paulistano é paciente e solitário. Paulistano espera o semáforo abrir, espera o trânsito andar, espera um lugar no restaurante, uma vaga no estacionamento, a fila no banco, a fila na loja, outra fila pra comprar o ingresso do cinema ou do jogo do seu time, espera pra ter alguns centímetros quadrados no ónibus e no metrô, espera seu lugar ao sol, espera a garoa das 6 da tarde, o fim-de-semana chegar pra poder trabalhar mais em casa, as férias pra fazer entrevistas e mudar de emprego, espera dar o horário do rodízio pra ir trabalhar, espera o chefe ir embora pra poder ir pra casa, o aumento pra poder comemorar, espera o sol pra descer a serra, a madrugada pra poder dormir, a doença pra ir ao médico, a morte pra viver a vida... Paulistano é rodeado por milhões de pessoas, mas é tão sozinho que Ezequiel não conseguiu achar um exemplo comparável. Todo mundo se olha. Ninguém se enxerga.
Ezequiel enxergava.
Dali de seu canto, na calçada de uma loja de pneus, a um quarteirão do Elevado Presidente Costa e Silva - o Minhocão - presenciou um beberrão falando de Deus, pregando a bíblia, falando de salvação, de pecado, de paz, amor e a graça de viver. Discursou alto por vários minutos, repetindo várias vezes determinados salmos e se embaralhando em algumas frase. "Deus é pai. Deus é a salvação de todas as almas e de todos os corações. Confia em Deus. Confia. Deus salva!" - dizia ele. Os passantes e moradores olhavam com ar de curiosidade e vergonha alheia, mas a pressa não permitia que eles fizessem mais do que isso. De repente, uma senhora gorducha sai da portaria do prédio e começa a reclamar com o tal "pastor andante". A reação dele, diante da situação, foi nada diferente do esperado: violenta. Com dois pontapés e a socos derrubou na calçada a pobre senhora. Ela bateu com força a cabeça no chão e ficou lá se debatendo. O pregador da paz terminou por causar o caos. Enquanto a senhora ficava a gritar de raiva e dor, o bêbado saiu dali. Nem sequer foi correndo. Ninguém foi ajudar a senhora. Ninguém foi atrás do cara. Simples assim.
Depois de alguns minutos, Ezequiel foi até lá ver como a senhora estava.
27 de out. de 2009
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4 comentários:
Ta ficando boa essa série, amor.
Vai ter o Piu Piu também? uahea
;*
Nossa, que delícia de texto. Muito sincero inclusive, muito transparente e observador. Esse Ezequiel era um goiano? Hahahaha. Às vezes um goiano pode vir a ser mais solidário por ter saído de uma cidade tão marasmenta. Hehehehe.
Beso.
Adorei o texto, perfil do paulistano é tão familiar...
Verdade o que vc falou sobre o silêncio
A propósito: vc se casou tb? bjs
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