20 de mar. de 2010

Alegrias de menino

Mantra

Eu li um mantra pra espantar esse mal
Passei Methiolate pra curar a ferida
Chorei, depois dei graças a Deus pela vida
É que o pedaço de mim com mais poesia
É, consequentemente, o corpo inteiro
Transbordo palavras pra compor os versos
Minhas pernas e meus braços, as estrofes
Eu queria ser um texto corrido, sem alegorias
Um romance policial com aventura e final feliz
Gosto de suspense, gosto de mistério
Não gosto é de não ser levado a sério
Quero a prateleira, a vitrine de um best-seller
Sem perder o emblema de um clássico,
Sem perder a alegria de um infantil
Quero ilustrações em cores, vetores,
Letras finas e bem diagramadas
Quero outros temas, outras escolas
Quero papel chique nas minhas sacolas
Quero o inverno, quero o outono
A neve na estrada, as folhas caídas
Quero as pequenas alegrias de menino.

18 de mar. de 2010

Fluoxetina

Prescrição médica

Hoje cedo, fui ao médico
Doutor falou que meu problema tem cura
O tempo há de enfrentar essa loucura
Ah... O tempo e seus devaneios ensaiados
Não quero esperar, pois o tempo é vagabundo
Pode ser hoje, pode ser no fim do mundo
O tempo não tem horários marcados
Não tem datas previstas, nem anseios
Só quero seguir sem todos esses receios
O álcool alheio virou meu aliado
Anestesia barata, dormir embriagado
Acordar e tomar tudo de volta
Vomitar o esforço do dia seguinte
Tudo pra não sonhar o sonho sonhado
Tudo pra esconder o coração assustado
Queria arrancar de mim esse maldito
Quem dera, abandonar esse bastardo
Pedi um remédio pra iludir a alma
Um remédio pra tranquilizar o fígado
Pedi e o doutor me receitou Fluoxetina
Começo amanhã, de 12 em 12 horas
Agora sim eu esqueço essa rotina...

17 de mar. de 2010

Cansou

Poesia inacabada

Hoje era mais um dia

De comemorar conquista nobre
Dedicar à musa um poema de amor
Mostrar a ela, postar no blog
Refugiar-se no íntimo de seu quarto
Planejar o nome do primeiro filho
Da segunda, dos cachorros,
Hoje era dia pra ser um dia feliz
De transformar verdade em poesia
Mas a poesia ficou triste,
Incompleta, a rima cansou






14 de mar. de 2010

Vulgar

Brusco desencanto

Vulgar foi a falta que fez
Até nossos dias de tédio
A moléstia pro seu remédio
O esforço pra ter sua mão

Imoral é essa livre afasia
Que se apossou do meu dia-a-dia
A ansiedade que invadiu o quarto
A verdade que não tem perdão

Foi brusco como perder o encanto
Perder a fé em noite de dia santo
Um copo cheio de água e mágoa
Pra curar sua tosse e o soluço

Tão forte quanto ainda sentir seu cheiro
No meu carro inteiro, no travesseiro
É o medo de não passar nunca
De não ir embora essa esperança

Desejei bem mais o recomeço
Voltar a frequentar seu endereço
Ficou esse receio do adeus definitivo
Um vazio sem volta, sem adjetivo.

13 de mar. de 2010

Samba

Seresta

Ela foi pra farra
Se divertiu na festa
Bebeu todo o vinho
Dançou todas as músicas
Encantou todos os rapazes
E, talvez, por bondade
Não quis se encantar
Voltou no raiar do dia
Acordou só de tardinha
Com meia vontade de me ligar
Almoçou bem almoçado
Banhou-se bem banhado
Sentou toda gracinha
Com seu jeito de menina
E pôs-se a estudar

Ligou o Eduardo,
Ligou o Caio, o Bonzinho,
Márcio, Renan e Quinho
No corpo, uma blusa
O coração palpita uma letargia
Fez que ia, mas a cabeça ardia
Deixa essa menina sambar em paz
Deixa essa menina sambar.

Memórias 2

O último bilhete

Entrou no ônibus
Olhou pra trás pela última vez
"Não veio, seguiu"
Tinha que seguir também
Entrou e deitou na poltrona
Fechou os olhos, mas não dormia
Lá vem a chuva pra molhar essa tristeza
Lá vem a estrada pra aumentar essa azia
Derramou na blusa a última lágrima
Reservou no peito aquele vazio
Guardou com carinho o último bilhete.

Memórias

O melhor do máximo

Guardava suas melhores cuecas e
Suas melhores roupas pra quando ia vê-la
Pra ela, ele tentava se fazer bonito,
Tentava fazer seu melhor leiaute,
Usava o melhor perfume, o melhor sapato,
Penteava melhor o cabelo, se olhava mais no espelho
Pra ela, ele fazia melhor a barba,
Tomava os melhores banhos e
Escovava melhor os dentes,
Lavava os cotovelos, o vão dos dedos,
Esfregava os joelhos e os pés descalços
Pra ela, ele escreveu seus melhores poemas,
Dedicou seus melhores sorrisos,
Deu seus melhores presentes
Com ela, teve seus melhores beijos,
Os melhores brinquedos,
As mais doces memórias

Ficou essa vontade desnorteada,
Toda essa dor nas juntas,
Uma quimera aqui no peito
Ficou sem jeito, perdeu o rumo.

11 de mar. de 2010

Retirou

A cura

Retirou todas as fotos
Escondeu meu porta-retrato
Se desfez dos belos fatos
Praticou a arte do desapego
Foi sem medo, tirou o anel

Sei que leu meus versos
Tão singelos, tão seus
Sei que viu meus recados
Tão jogados, tão meus
Talvez, nem se encante mais

Pedi que o amanhã chegasse
Que o vento retornasse
Pedi luz de velas, mais um mês
Traguei a sorte, joguei xadrez e
Levei um cheque do freguês

Comprei cebola pra temperar a janta
Comprei roupa pra alimentar o ego
Andava tão magro o coitado
Decidi deixar o tempo avisar
Se vai cair, se vai curar.

10 de mar. de 2010

Escuta

Aquela
Alegria

Toda
Prova
De amor
É pouca
Boca
Com
Boca
Unhas
Nas
Costas
Dentes
Na nuca
Dedos
Na fruta
Me escuta
Me escuta
Quero
De novo
O olho
Que brilha
O sorriso
Que trilha
Essa
Alegria
Aquela
Alegria
De outro
Dia.

O troco

Contei todos os ladrilhos, todos os mendigos,
Todas as claves da Avenida São João
Ouvi todas as buzinas, cruzei as esquinas
Olhei móveis usados, cofres enferrujados,
Comi um lanche duvidoso, reclamei do sol
Lá do alto do viaduto, helicópteros
Contemplando o trânsito lento, enquanto
Aqui em baixo, vários corações acelerados
Os trinta e três que estavam encostados
Continuaram deitados depois do tiro
Foi só um estalo, só um grito que se ouviu
Ninguém parou, ninguém sentiu
Segue a rotina, Avenida São João
Deixei alguns trocados no chão.

3 de mar. de 2010

Desatenção

Receio do remorso

Ah... Essas cerdas estão dilacerando
As válvulas de escape, as bobinas
As marcas, as intenções bem vindas

Livre da cegueira das verdades cretinas
Livre dos maldizeres, dos guerreiros cansados
Lamúrias de amor por não querer outras meninas,

Intenso olhar de quem não sabe mais
Inventar poema, buscar quase paz
Imediatamente, o sono bate a sua porta

Naquela vez, era medo da derrota
Neve na porta, o frio não importa
Nessa sina, resta pele, osso e carne viva

E toda essa carícia que me cativa
Esqueça todas as mágoas, toda essa mira
Esvazie os potes, retire o que resta de ira

Perdoa os desavisados, os lerdos, os afastados
Perdoa os diferentes, os fracos, os desviados
Pensa na mudança, na esperança, na semelhança

Pensa na luta passada, na foto guardada
Pensa na mão que não larga a outra mão consolada
Pisa nos cacos, ressuscita a doçura de menina.

Refém

Perdeu o emprego, perdeu a voz
Perdeu o milagre do dia ensolarado
Perdeu alguns trocados a capa vermelha
A armadura de ferro o dedo de agulha
Perdeu a vontade de ter coragem
Derramou a gasolina de seguir em frente
Refém do tempo, refém do vento...