6 de fev. de 2012

Vamos fazer um filme?

Sempre quis estudar cinema. Acabei fazendo Publicidade e Propaganda porque não tive coragem de fazer faculdade de Cinema. Imagina! Cinema? No Brasil? Não, não! Meus pais que já não eram lá tão favoráveis a Publicidade iriam surtar (e eu confesso que tinha medo de morrer de fome). Inclusive, embora meu pai seja o meu grande ídolo, ele sempre teve um perfil diferente do meu, mais conservador, a favor de estabilidade, dependesse dele, eu teria feito algum concurso público e estaria por aí tranquilão pegando meu salário fixo todo mês com aposentadoria garantida. Não que isso seja ruim, é uma escolha, mas não é pra mim. Nunca foi! E aí que agora, alguns anos depois de formado, com situação profissional estável, finalmente fui fazer Cinema. Talvez, tivesse que ter feito mesmo antes, talvez não. Mas acredito que cada momento, cada experiência que a gente vive acaba contribuindo direta ou indiretamente. E assim vai.

A minha primeira sensação com as aulas é que eu tinha perdido tempo. Senti que todo mundo ali da sala entendia mais de cinema que eu, tinha visto mais filmes, falavam com mais propriedade no assunto, citavam filmes de arte que eu nunca tinha ouvido falar, sabiam tudo sobre diretores dos anos 10, 30, a revolução de Griffith, Porter, os soviéticos, os alemães, The Jazz Singer, dos clássicos da nouvelle vague, Glauber, enfim, comecei a colocar em dúvida se levava mesmo jeito pra coisa. Cheguei à conclusão que havia visto hollywoodianos demais. Não que Hollywood só produza lixo, na verdade, só uns 90%. O fato é que eu poderia muito bem ter trocado as quase 2 horas que levei assistindo os "Todo mundo em Pânico" da vida por tantos bons filmes...

Era passado. E o passado a gente não muda.

Comecei a ver filmes clássicos desesperadamente. Comecei a ler sobre grandes diretores como se não houvesse amanhã. Gastei boa parte do salário com livros sobre cinema. Tinha que recuperar vários anos em poucas semanas.

As aulas me davam prazer, sabe quando você sente que se encontrou? Pois é. Não que eu não goste do que eu faço, mas sabe, é diferente. Cinema é tesão! E sabe aquela história de ligar os pontos? Pois é. As coisas foram surgindo e voltei a confiar que eu tinha potencial. E confiança, amigo, é tudo. Um homem sem confiança não faz nada.

Os anos da infância que eu passei desenhando quadrinhos, os anos que quis ser escritor, ser poeta, músico, os anos como profissional de criação publicitária, os livros, os filmes, tudo que eu havia consumido na minha vida toda estava ali para eu começar a montar um enorme quebra-cabeças.

Nós precisávamos juntar um grupo e fazer um filme. Que filme? Que história contar? Eu tinha tantas histórias... Me dispus a ser o diretor, carudo pra caramba, vamos lá fazer esse negócio, junto com o Diego, moleque vindo do interior assim como eu, que nasci no interior de Minas, fui pra mais interior ainda e depois fui morar em Goiânia, cidade linda do meu coração. Propus que a história filmada não fosse nem minha nem dele, já que a gente ia dirigir. Aí o John, que ia fazer a fotografia do filme, chegou pra mim in off e disse que tinha pensado em uma história de um velho rabugento que vivia sozinho e ficava na varanda o tempo todo com a arma na mão esperando a Morte chegar pra matar a Belladona. Achei demais e comprei a ideia logo de cara. Restava convencer o restante do grupo.

Comecei aí um certo lobby em favor da história do John, embora o grupo estivesse dividido. Éramos 6 pessoas e tinha a história da Giuli, garota que ia escrever o roteiro, que era muito boa também. A Aninha, que tava cuidando da produção, inclusive, votou na história dela. Por fim, o Voto de Minerva foi do Saimon, rapaz de Curitiba, que ia fazer a direção de arte. Pronto! Primeiro passo havia sido dado. Escolhemos a história. Agora era fazer o filme.

A Giuli escreveu o primeiro roteiro, mas ele não era bem a história do John. Chamava-se Xeque Mate e o velho jogava xadrez com a Morte, algo assim. Tinha a arma, tinha a varanda, tinha o velho, mas ainda não era isso. Aí comecei a rascunhar umas coisas, viajar, olhar referências e eis que me ocorreu que estávamos chegando em 2012, ano do fim do mundo segundo os Maias, o cara tinha uma espingarda que podia ser uma 12, 12 é um número diretamente ligado ao tempo, já que são 12 números no relógio, 12 meses no ano, etc. E pronto. Tava aí o conceito que a gente precisava. 12 = tempo. E não deu outra. Escrevi o argumento, mostrei pra galera do grupo, curtiram e a Giuli escreveu o roteiro em cima dele. Alguns pitacos aqui e ali dos diretores, do John que havia pensado na história, story board criado e chegamos em um acordo. Os professores deram algumas ideias, algumas dicas, mas foram bem favoráveis à história, parecia ter agradado. Ufa.













Faz teste com ator, ensaia ator, muda coisa ali, testa o figurino, reserva equipamento, busca locação, stress aqui, stress ali, vamolácorrequetáchegandoodiadafilmagem, briguinhas, discussões, alterações de última hora, tem jogo do Coringão no dia e se ele for campeão vai ter foguetório e vai zoar o som (ainda bem que o Corinthians foi campeão só no domingo seguinte), passa avião de 2 em 2 minutos na casa, eagoracoméquefaz? 


No dia anterior à filmagem, mais precisamente no sábado a noite, fui até a AIC buscar o equipamento emprestado, já que iríamos começar a gravar no domingo de manhã e só tínhamos um dia para realizar todas as filmagens do curta. Meu amigo Pedro, que não tinha nada a ver com aquilo, foi quem me ajudou a botar as coisas todas no carro. E era muita coisa, viu? Fiquei até preocupado de deixar aquilo tudo ali dentro do carro, imagina se roubassem? Lembro que nem consegui dormir direito essa noite, não só pela preocupação, mas também pela ansiedade.

Combinamos de nos encontrar em frente à AIC. Todos os envolvidos foram razoavelmente pontuais. O Eduardo, ator que fez o Lourenço foi o que chegou mais tarde, talvez, por vingança para compensar o fato de ele ter chegado adiantado nos ensaios e termos deixado ele esperando. Nada desesperador também. Segue o jogo. A casa era da tia do Saimon, que por sinal, foi muito receptiva, simpática mesmo. O Diego até quebrou uma cadeira da casa dela e tenho a impressão que a gente não pagou por isso. Melhor até mudar de assunto. Vai que ela tá aqui lendo e lembra, né?



Chegamos ao local umas 10 da manhã mais ou menos e posso dizer que as primeiras horas foram conturbadas. A Giuli ficou um bom tempo captando o som ambiente da varanda, quartos, cozinha e sala, nos poucos instantes que algum avião não passava e o papagaio da casa não berrava alguma coisa. O Saimon cuidava dos últimos detalhes da decoração e do figurino dos atores, junto com a Ana. O John mexia na câmera e começava a montar a luz da primeira cena. O Diego e eu passávamos o story board. O Xandes, amigo meu diretor de arte/fotógrafo que eu chamei pra nos dar uma força, ficava lá deitado de boa esperando ser acionado.

Devo dizer que fui incumbido de ser o motorista do grupo e isso incluía tarefas como buscar comida, buscar pilha que acabou, ir até farmácia, ir ao mercado, etc, e devo confessar que fiquei meio impaciente com isso em alguns momentos. Passado à raiva e voltando ao fato das primeiras horas terem sido conturbadas, nós repetimos algumas cenas várias e várias vezes e fomos ficando sem tempo. Era quase 10 da noite e a gente não tinha feito nem 30% do filme. O clima começou a ganhar tensão, até porque a gente havia combinado de sair da locação mais ou menos às 10. A Aninha estava desesperada já, andando de lá pra cá, não sabia mais o que falar pra Tia do Saimon (dona da casa). Toda hora ela chegava e me falava alguma coisa, reclamava do tempo, falava pra eu andar depressa e chegou uma hora que eu perdi a paciência e pedi pra ela parar, ficar calma e deixar a gente terminar. 



Depois disso, ela ficou na dela e a gente começou a acelerar. Algumas cenas, eu faria de novo, poderiam ter ficado bem melhores, mais convincentes ao meu ver. Sabe quando você sente que ainda não chegou lá, mas tem que desencanar e seguir em frente? Pois é. 

Mas fiquei feliz porque todos se empenharam e fizemos o melhor que conseguimos no tempo que tivemos. E foi isso.  



Fazer um filme, por mais que seja de curta metragem, não é fácil, exige planejamento, organização, empenho e uma boa ideia. No nosso caso, era mais difícil ainda, poque havia ali uma questão política de deixar todos com a sensação de orgulho do que foi feito, com a sensação de que o filme é nosso e não do Fulano. Filme é, acima de tudo, um trabalho em grupo. E que trabalho que dá, viu? 





Finalizamos as filmagens de madrugada, lá pelas 2 da manhã. Todo mundo cansado, esgotado, tendo que trabalhar no dia seguinte, mas a vontade de terminar prevaleceu. Finalizado o dia de filmagem, o dia seguinte é aquele de devolver o equipamento, conferir se estava tudo lá, chegar atrasado no trabalho e segue a vida.

Ufa, agora acabou, né? Acabou nada. Aí veio a edição que foi outra briga. Mexe aqui, muda ali, não é isso ainda, esse plano tá melhor que o outro, usa essa, a outra tava melhor mesmo, deixa sem trilha aqui, pega aquele take, gosto daquele close, o som dessa cena tá zoado, mexe no tom da fotografia dessa cena, senta lá, Cláudia. O grande problema nessas horas é que todo mundo tem opinião, mas uma hora, as pessoas entram em acordo. Um cede aqui, outro cede ali e the end. Tá feito o filme. 12:12.


Ps.: Eu ainda não montei o tal quebra-cabeças, mas já evoluí com algumas peças.