31 de out. de 2019

Volta

Assim que tranquei a porta e saí da pousada na Rua Mangaba,
Senti meu peito mais turvo e gelado que a Cachoeira do Segredo
Como se meu coração tivesse ficado para trás, em alguma trilha,
Em alguma estrada, na risoteria de ontem ou na noite estrelada

A cada degrau que eu descia com a mala, mais longe eu ficava
Mais xoxo, menos sereno, mais o peito outrora radiante apertava
Como eu posso ir agora, se a gente ainda nem subiu na torre de lá?
Aliás, ainda há tanto lugar pra gente subir e tanto para se explorar

Entrei no carro querendo emanar boas energias de todos os cristais,
De todos os bons espíritos, os bons ventos, todos os santos e orixás
Se até a lua tem fases e fica minguante só para as estrelas luzirem mais,
Eu prefiro acreditar que logo a gente espanta esses infernos astrais

Escolho lembrar de você flutuando nas águas cristalinas de Santa Bárbara
Do restaurante da volta, do seu gozo, o bolo de chocolate, o pão de abóbora,
Dos desejos de voltar em breve, de ganhar na sena e ter uma chácara
Eu escolho confiar que logo volta a soar o seu canto e o seu riso

Enquanto esse dia não chega, toca aí a playlist que eu fiz pra você.

17 de out. de 2019

Imprevista e insana

Desde o primeiro passo em seu costumeiro lar,
Me senti como se estivesse exatamente
No único lugar onde realmente deveria estar
E pouco me importava se era Jaó ou Marista
Se era sobrado ou kitnet, no escuro ou no claro,
No sofá da sala ou entre as almofadas do quarto
Só queria passear pelas curvas do teu bosque
Até que a passarada anunciasse o amanhecer
E poder voltar no dia seguinte, desacelerado
Medir e sentir delicadamente palmo a palmo
Depois forte, depois lento, depois sóbrio
Deslizar em teu corpo embaraçado a finas teias
E te apresentar minha alma que sente e vibra
Nem que seja só pra desmistificar as causas vãs
E te ajudar a recolher as folhas secas da varanda,
Os discos furados e todos estes cacos na cozinha
Eu sei que carrego um lado torto e outro corcunda,
Mas deixa eu jogar fora toda essa lama imunda?
Vim enaltecer sua força inquieta, imprevista e insana
Que me trouxe de volta o coração ardente e em chama
E agora? Eu fico? Por que ir daqui, se é tão bom ficar?
Se a vida é mesmo essa rude aventura passageira,
Por que chorar tortuosamente, se o tempo não volta?
Pra que se o "não" é sempre o que mais passa ligeiro?
Melhor mesmo é curtir contigo cada nota desse canto
Ou jogar Desafino em uma exausta tarde de domingo
Seja na praia ou cachoeira, Pinheiros ou Ipiranga
Planejando a próxima viagem ou lembrando da última
Quer ficar e contar comigo as esquinas do caminho
Até a gente perder a conta e a vontade de contar?
Não sei quantos quilômetros tem a nossa estrada
Tampouco, sei qual é a velocidade máxima permitida
Mas desse lado da janela, vejo ipês e mudas novas
Vejo nuvens desenhadas, céu azul e águas calmas
Nenhuma placa de Stop ou de curva sinuosa
Sigamos assim, como um pincel traçando obras novas.

21 de ago. de 2019

Das 5 às 9

Eu que fiquei dias a contar segundos
Verbalizando os mais tortos escritos,
Os mais quentes e os mais intensos que vivi,
Agora não vejo a hora de ouvir teus áudios
Saindo direto de tua boca desejando a minha

E, de olhos inebriados, peço aos que me ouvem
Que você continue desejando amanhã de manhã
Mais ainda, que a vontade aumente no tardar do dia
E que os momentos seguintes sejam de fogo e volúpia
Ainda que o hiato sem teu gosto venha logo em seguida

Das 5 às 9, os minutos parecem poucos, quase nada
Ademais, eu trocaria meses de vida por cada sorriso assim,
Por cada um desse levantar de sobrancelha e cada gozo seu
Abriria mão de eternos para viver ao seu lado instantes
Ainda que seja só pra ouvir esse "eu te gosto", que soa falso

Esse mês durou enormes semanas vazias, mas amanhã cessa.

4 de ago. de 2019

Loiros

Hoje, de novo, pensei nos seus loiros e
Desejei encontrar alguns fios no travesseiro
Depois no carro, na comida, no banheiro
Quis entrar nas suas fotos publicadas
Todas tão distintas, tão elogiadas,
Só para fitar de perto suas curvas,
Suas lutas, suas rotas e te roubar pra mim
Queria eu te levar pro mundo,
Caminhar contigo pelas calçadas,
Pelas avenidas, pelas madrugadas
Te mostrar o Empire, o MoMA, o Guggenhein,
Já que me falta o juízo, eu podia ter, ao menos, a sorte
De descer seu corpo do Upper a Dowtown
Cruzar a ponte e voltar de novo
Até você ficar realizada, até se cansar
Te fazer musa, like a Hollywood superstar
E também sair comigo, assim que eu voltar
Não mordo, não te ataco, eu hei de aguentar
Ah, loira, mais bela que a vista do Top of the Rock
Vou pôr seu nome nas marquees da Broadway
E depois, debaixo do meu lençol, do meu teto
Enfim, não custa sonhar, anyway, eu sei.

29 de jul. de 2019

Quisera eu

Ah, linda moça, eu fico querendo, mas tenho receio de ir te falar
Vai que está ocupada ou dando risada com alguém acolá
Mas quando eu bebo uma dose, arranjo coragem pra te procurar
Arrisco, digito intenções, falo qualquer bordão pra te impressionar

Você me dá um barato do balaco baco, que nem ácido deu
Quisera entender esse lance, se vai virar romance, quisera eu
Chamei pra armar um esquema, mas você cansada pediu pra pensar
Nem acreditei, quando o celular apitou com você dizendo, que ia se arrumar

Ah, me perdoa, é que contigo, o tempo voa
Já são 5 da manhã, essa nossa embriaguez destoa
E se eu acordar, sei que vou estar rindo à toa, à toa

Ah, me perdoa, é que contigo, a direita esquerda
Acabei de chegar em casa, mas bem que queria estar na sua
Amanhã já chegou, que sonho bom.