25 de jan. de 2011

O viciado

Desceu o mapa em busca de aventura. Já que a vida é feita de breves alegrias, só queria escrever um miniconto sem rasura. Queria perder por alguns instantes essa fissura, esquecer. Mas pensar em esquecer já é se lembrar. Precisava tentar, precisava tentar, precisava. Parecia castigo divino, o corpo dela atenta. Teu corpo reluta, mas a hora passa lenta. Tenta. Tenta. Tenta. Não! Não liga. Não escreve. Não pensa. Sei que ainda a enxerga em seus sonhos, mas precisa deixá-la partir. A saudade é traiçoeira, mas é questão de sobrevivência agora. Ela não te enxerga mais. Essa é a razão. E não pense que ela é má por isso. Não importa se não tem sentido, se houve ou não houve motivo. Só aceite que ela preferiu soltar tua mão. Vamos, levanta. Levanta desse chão. Vai sujar a calça que te comprei semana passada em ponta de estoque. Vamos, me dê sua mão. Esquece aquela curva antes do portão. Lembra que é um vício e tem cura. Tem que ir até o fim agora. O processo é lento, mas o resultado é garantido. Vai passar.

20 de jan. de 2011

Fé passageira

Chega de falar de amor, de romance
Já que a musa se foi, vou mudar de assunto
Vou falar de devaneios, mundanices,
Falar de alegrias, tudo isso junto

Garanto, prova de amor maior não há
Abrir mão do amor pro outro ser feliz
Eu sei, não foi isso que eu quis,
Mas a vida tem lá os seus anseios

De repente, o vento passa e leva tudo embora
Me deixa aqui sem teto, sem parede, sem chão
Outrora a fé é passageira, outrora não

Calço o sapato, visto a roupa nova e vou embora
Pra onde, ainda não sei, isso pouco importa
Junto os cacos, fecho a janela, tranco a porta.

8 de jan. de 2011

O assaltante

Pode, pode levar o que quiser de mim
Leva o celular, leva a carteira, os rins
E se puder, leva também meu coração

Pode, pode levar todo o meu dinheiro
Leva o relógio, leva o quarto inteiro,
O carro que eu ainda pago à prestação

Pode, pode ficar com minha sexta-feira,
Sábado e domingo, a semana inteira,
Leva contigo meu amigo violão

Senhor ladrão, encontrou o cara certo
Não pretendo reagir, eu não quero mais confusão
Vai pra casa e paga as contas da família
Só com esse assalto, faturou mais de um milhão

Pode, pode levar o que quiser de mim
Leva a TV, as flores do jardim
Mas por favor, não esquece o coração

Leva contigo os meus versos tolos
Leva os retratos, os quadros da parede
Pode levar também a minha rede
Os discos, o som, leva o liquidificador

Tritura toda essa loucura, esse descontrole
Essa agonia, a nostalgia, minha cacofonia
Pode levar contigo os cacos, leva o fim do dia
Boa sorte companheiro, faça bom proveito

Não foi tudo em vão.

6 de jan. de 2011

Poema do portão e da porta

Entrava no poema como quem entra num bar
E sai bêbado caindo pela falta de chão
A poesia era um buraco maior que o buraco
Sem fundo, descendo até o fim do mundo

Entro no poema como quem come arroz e feijão
E sai dia afora para encarar a existência
A poesia lava os pés e as lágrimas
A poesia acalma as lástimas

Queria entoar meus versos na estrada
Mas são mais de 500 quilometros de ida e volta
Mais a voltinha do portão, mais os metros da porta

Queria ensinar as pessoas a escreverem versos
Para todo mundo escrever poesia nesse mundo vagabundo
Todo mundo sentir bem sentido, lá no fundo.